CLIENTE COM ESPÍRITO DE PORCO: COMO LIDAR?

Este artigo aborda, de forma clara e fundamentada, como micro e pequenas empresas podem lidar com clientes hostis ou abusivos sem violar o Código de Defesa do Consumidor. A partir de uma metáfora bíblica, o texto propõe reflexões sobre limites no atendimento, apresenta diretrizes legais e orienta sobre como agir com segurança diante de situações de conflito.

Felipe Vasconcelos | Gerente de Marketing

7/13/20254 min ler

O Evangelho de Marcos, capítulo 5, narra a impressionante cena em que Jesus expulsa espíritos malignos de um homem endemoniado:

“(..)  Então Jesus lhe perguntou:
— Qual é o seu nome?
— O meu nome é Legião — respondeu —, porque somos muitos.
E suplicava insistentemente a Jesus que não os mandasse sair daquela região.
Ora, uma grande manada de porcos pastava numa colina próxima.
Os espíritos imundos rogaram a Jesus:
— Manda-nos para os porcos, para que entremos neles.
Ele lhes deu permissão, e os espíritos imundos saíram do homem e entraram nos porcos. A manada, que era de cerca de dois mil porcos, lançou-se precipício abaixo, em direção ao lago, e nele se afogou. (...)”

No relato bíblico, o jovem possuído se feria e gritava, chegando ao ponto de ir tirar satisfação com Jesus. Na vida cotidiana — especialmente para quem trabalha com atendimento ao público — não é raro nos depararmos com pessoas difíceis. Ou melhor dizendo: com clientes que, por vezes, parecem mesmo carregar um verdadeiro “espírito de porco”.

E quando uso essa expressão, não me refiro ao cliente que está legitimamente insatisfeito com um serviço mal prestado ou com um produto defeituoso, e que busca — de maneira razoável — a correção do problema. Afinal, errar faz parte da natureza humana, e clientes com razão devem ser ouvidos e respeitados.

Contudo, existe outro tipo de pessoa: aquela que não quer uma solução real. O que ela busca é um alvo para descarregar suas frustrações pessoais, criando conflitos desnecessários, sendo agressiva, desrespeitosa e tentando reduzir toda a reputação de uma empresa a uma falha pontual.

Essa postura revela não um desejo de resolução, mas uma carência emocional transbordando em forma de ataque. É como se, simbolicamente, essas pessoas carregassem seus próprios “demônios” — e os projetassem sobre os outros.

Mas, afinal, como lidar com clientes com "espírito de porco"?

Se a relação problemática teve início já na fase de contratação, é importante saber que, à luz da legislação brasileira — especificamente o Código de Defesa do Consumidor (CDC), Lei nº 8.078/90, art. 39, inciso II — o fornecedor não pode se recusar a atender o consumidor que esteja disposto a contratar. Em alguns casos, inclusive, a recusa pode gerar condenação por danos morais, conforme precedentes dos Tribunais de Justiça de São Paulo e Minas Gerais.

No entanto, se o cliente estiver sendo agressivo ou ofensivo, você tem justo motivo para recusar a prestação do serviço. Nesse tipo de situação, é fundamental registrar as tratativas com o consumidor, preferencialmente utilizando o próprio celular. Importante lembrar: essa gravação é lícita, desde que feita por um dos interlocutores da conversa, mesmo que os demais não estejam cientes, conforme estabelece a Súmula 279 do Supremo Tribunal Federal.

A partir do momento em que você possui provas de que o cliente está sendo agressivo — ainda que apenas verbalmente — você tem fundamento legal para recusar a prestação do serviço sem sofrer sanções jurídicas.

Vale destacar que, tratando-se de uma relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor é objetiva, conforme os artigos 12 e 14 do CDC. Ou seja, ainda que não haja culpa, o fornecedor responde por falhas na prestação do serviço ou defeito do produto.

De acordo com o § 3º do artigo 14, o fornecedor somente se exime de responsabilidade se, e somente se:

  • I – provar que não houve defeito no produto ou serviço;

  • II – comprovar que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Portanto, é fundamental produzir provas de que o produto ou serviço foi entregue ou executado corretamente.

Se o cliente estiver com razão — ou se você ainda não tiver certeza sobre a existência de falha —, solicite um prazo razoável para análise da situação. E, se necessário, busque apoio jurídico especializado.

Lembre-se de que, conforme o artigo 18 do CDC, o prazo máximo para a solução de problemas nas relações de consumo é de 30 dias. Após esse período, sem uma solução efetiva, o consumidor tem o direito de exigir:

  • A substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

  • A restituição imediata da quantia paga, atualizada monetariamente, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

  • O abatimento proporcional do preço.

Se for constatada uma falha na entrega do produto ou na execução do serviço, refaça o serviço sem custos ou substitua o produto gratuitamente. Essa é não apenas uma exigência legal, mas, na maioria dos casos, uma solução mais econômica e inteligente do que enfrentar um processo judicial ou uma autuação do PROCON.

Caso a substituição ou reexecução não seja possível dentro do prazo legal de 30 dias, o artigo 18, § 2º, permite que você proponha um novo prazo — desde que não ultrapasse 180 dias, e que haja concordância expressa do cliente. Essa concordância deve ser registrada por escrito, preferencialmente por e-mail ou WhatsApp, com data e confirmação clara.

Por fim, se todas as alternativas forem tentadas e o cliente continuar irredutível, considere a possibilidade de devolução integral ou parcial dos valores pagos e rescisão contratual amigável. Acredite: muitas vezes, essa é uma saída mais econômica e emocionalmente saudável do que prolongar um conflito em um processo judicial custoso e desgastante.